Redução de custos, não de humanos

Edite Amorim
5 min readAug 21, 2017
(Texto originalmente publicado no blog da THINKING-BIG: http://www.thinking-big.com/blog/reducao-de-custos-nao-de-humanos)

A Patrícia é minha amiga há menos de dois anos. Conheci-a quando, numa festa, nos atirámos à última patanisca de bacalhau. Olhámos uma para a outra, começámos a falar e ficámos amigas. A Patrícia vivia nos meus antípodas; partilhávamos, no fundo, só três paixões — as viagens, os livros e a crença de que encher-se de mundo é encher-se de mais.
De resto, a Patrícia é economista, organizada e dada aos números e trabalha numa empresa de Análise de Redução de Custos. Passa os dias a procurar, na contabilidade completa dos seus clientes e na sua forma de gerir as suas empresas (desde pequenas a gigantes conhecidos), a forma de pouparem em tudo, e assim ganharem.

Quando falávamos de trabalho as coincidências eram, por isso, poucas. Longe do mundo da Criatividade e da Psicologia Positiva, dos post-its coloridos e das formações com gente de todo o mundo em interação à volta de um tema, a Patrícia parecia só trabalhar com folhas de Excel e dossiers carregados de papéis com números.
Era isto que eu achava, até à conversa que trouxe a este artigo; que os mundos eram azeite e água, coexistentes domínios de um mesmo Universo, mas a viver nos antípodas.

Mas na verdade, como descobri, o mundo dos números da Patrícia não está preso ao Excel, nem de maneira alguma longe da Criatividade e da Psicologia que procura o potencial humano.

Estávamos numa conversa de jantar, quando a conversa começou a contar. Entre garfadas despreocupadas mas de olhos brilhantes a Patrícia falava do novo cliente com quem iam começar a trabalhar. Uma empresa grande, com nome dos que dispensa apresentações. Contava as coisas em que tinham encontrado possibilidade de poupança; falava da gestão do número de horas de limpeza nas diferentes fábricas, das viagens desnecessárias que podiam ser condensadas e até da gestão da iluminação em zonas não usadas. Ouvia-a com a curiosidade de quem aprende de um mundo novo, feito de tempo para números que poupam despesas mas também ambiente, como fui percebendo.

O que eu não esperava é que estes números poupassem também postos de trabalho e empresas inteiras e que, nas contas e nos Exceis cabia uma coluna de espaço para a poupança do Humano.

No relatório das despesas, a Patrícia encontrou um gasto superior ao esperado, com um dos fornecedores de um serviço. Imediatamente se lançaram números e análises e se encontrou, para o mesmo serviço, um outro fornecedor na mesma zona, a preços mais competitivos. O Excel da cabeça apitou, e saltou o alarme que propõe a troca de fornecedor e, assim, a poupança procurada a todo o custo.

Mas o “a todo o custo” não se aplicou. A Patrícia pesquisou o fornecedor e encontrou-o homem. Humano. Uma empresa familiar que dependia a mais de 80% da faturação dos serviços àquela grande empresa cliente. Um fornecedor feito pequeníssima empresa que, perdendo aquele contrato de serviços, perderia a subsistência e a existência. Uma empresa mais que fecharia, num tecido nacional tão fustigado pelos pac-mans do económico.

Ao ver isto — e aqui entrou o meu espanto que parou a garfada a meio do caminho entre prato e boca — a Patrícia atalhou os resultados apresentados e não disse ao seu cliente “troquem de fornecedor, trata-se de poupar, nada de paternalismos que atrasem faturações que se desejam a subir”. Não.
A Patrícia mostrou-lhes os números. Honestos, claros, concretos. Era o seu trabalho. Mas apresentou-lhos com Humanidade, com Criatividade e com visão. (E aqui eu senti que já não eram só as pataniscas de bacalhau, os livros e as viagens que nos uniam.) A Patrícia disse-lhes que podiam poupar trocando de fornecedor, mas que não os ia deixar fazê-lo. Porque havia um fator que os impedia, e que não se analisava no Excel mas na consciência: mudar contratos poupava dinheiro a um grande e destruía um pequeno. Um “pequeno” que só tinha nascido por causa daquela necessidade do grande e que, com o tempo se tinha centrado nela e só nela. Um pequeno dedicado desde sempre, mas tão dedicado que se tinha reduzido àquela relação.

Haveria, por isso, que compor com o real. Assumindo, não paternalisticamente mas humanamente e com noção de conjunto de país e de sociedade, o compromisso com um fornecedor que, ainda que mais caro, nunca lhes tinha falhado, e que dependia deles. E ajudando-o, através de conversas de profissionais gestores da própria empresa grande, de recomendações formais e de referenciação a outros parceiros, a ganhar novos clientes que pudessem dividir o peso da sua faturação e contribuir para a sua sustentabilidade mais autónoma.

Desta forma, o grande poderia começar a passar lentamente a sua carga de serviços para outro fornecedor mais barato, à medida que o seu pequeno fornecedor antigo ganhava novas fontes de rendimento, garantindo a sustentabilidade através da diversificação.
Perante este cenário, perguntei imediatamente, a empresa-cliente (a tal grande que dispensa apresentações) não colocou entraves? Inquietação natural, para um mundo de negócios que se quer “competitivo”, “eficaz”, “velozmente ágil”.

Mas não, não houve entraves. O ponto de vista foi aceite e validado, a importância do contexto mais abrangente foi percebido como tal e o compromisso foi assumido: na pequena empresa fornecedora não se tocava até que se tivesse colaborado ativamente para a sua independência económica.
E mais: no final da reunião de apresentação de números, a humanidade, o sentido de visão e a capacidade de síntese e análise holística da Patrícia foram elogiadas.

O gerente da empresa-com-nome-grande acabou por, num aperto de mão, selar a continuação de colaboração, parabenizar a capacidade de análise numérica da Patrícia, mas também a sua estratégia de crescimento integradora e o seu sentido humano de negócio. A sua atitude valeu-lhe um contrato de dois anos e um bom aperto de mão de respeito.

A Patrícia não poderia estar mais próxima do que representa a Psicologia Positiva aplicada ao trabalho: manter naturalmente o foco no lucro e no prosperar económico, mas criando um compromisso com as formas em que ele é feito e atendendo aos atores implicados. Crescer à custa da diminuição alheia não é crescer. Proliferar com base na aniquilação não é prosperar.

A Patrícia-economista, através da empresa com nome pomposo e formal, de analistas de redução de custos empresariais, relembrou que a Economia é uma disciplina das Ciências Sociais. E que o Social e Humano importam e prevalecem, mesmo quando o que se procura se mede em cifrões e em símbolos de Euro ou Dólar.

Este caso, contado de uma maneira que me deixou o garfo esquecido no prato, foi mais um, entre muitos ouvidos em congressos e conversas, a provar que fazer negócios que fazem lucrar o Humano é, não só possível, como recompensado, e que a forma de encontrar soluções para a conciliação económica e social/humana depende só de valores bem formados e duma boa dose de criatividade atenta ao mundo.

Talvez tenham sido as pataniscas de bacalhau que nos fizeram conhecer, mas a luta pelo sentido de Humanidade (também) nos negócios aumentou, sem dúvida, o nosso património de ativos. Bem-hajam, Patrícias do mundo dos negócios.

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Edite Amorim

Founder and coordinator of THINKING-BIG (www.thinking-big.com). Facilitator, Speaker, Writer, Traveler. Into Positive Psychology, Creativity, Dance, Life