Nascer da Luz.
Homem Lou,
Sabe, na tua chegada a este mundo, que és filho da Luz.
Que a realidade é feita com o material daquilo em que acreditamos e que acreditar por dentro, sentindo, poderá sempre ser a bússola que guie os passos com mais sentido.
Chegaste ao espaço de fora com 42 semanas de gestação. Passava do tempo standard, do tempo dito, do tempo esperado. Mas era o teu. Tempo.
Se foi fácil para nós, casal a quem chamas pai, a quem chamas mãe, esperar o teu tempo certo e viver os dias sabendo que chegarias e bem? Não, não foi. De fora ouvem-se vozes que assustam e contam coisas que não queremos saber.
Mas dentro as vozes são outras e os corações batiam em segurança. Sabia-te o corpo são, via-te a dança diária através do meu corpo redondo. Sentia-te lá. E sentir-te bem era a prova de que esperar se podia fazer.
Esperamos. Dissemos que não a induções de hospital, a exames intrusivos, a mezinhas que não ecoavam por dentro. Resistimos à pressão que visitava os dias, caminhámos a cidade toda, subimos escadas, descemos ansiedades.
Um dia, num limite de tempo, acordei de manhã e saí com o teu pai para o mesmo espaço onde a história de Amor de onde nasces começou. Deixei fluir uma música que me fez conectar em sentir na última viagem de avião que fiz, já contigo dentro, e voltámos a dançar. A dois. Como quando tudo começou.
Deixámos o corpo ir, deixámos o tempo fluir. Sem impossíveis, sem pressões. Sentindo. Porque é disso que és feito.
Alheios ao “tempo a mais” e ao “Já não era tempo?” que dita regras sobre quando e como se nasce. Presentes nos movimentos e na certeza de que Estar presente é maior prova de liberdade, dessa liberdade de que te queremos construído.
Durante 42 semanas ouvimos e questionámos processos, formas, convenções, instituições, tudo na procura de um caminho que fizesse sentido com a história que queremos criar-te. Baseada na escuta do corpo, no viver com o que se crê desde dentro, na construção de realidades coerentes com histórias individuais, mais do que com passos alinhados por multidões, só por se chamarem multidões e serem mais.
E foi ao fim desse tempo — 42 semanas — que tu chegaste. E foi no final dessa dança a dois, relembrando o lugar de fora e de dentro onde as histórias de Amor começam, que tu chegaste.
24 horas depois dessa dança assinalou-se a hora do teu nascimento. Um nascimento natural, sem epidural, sem ocitocina, sem fórceps nem ventosas, sem episiotomia. Um nascimento num lugar convencional, auxiliado por gente do sistema e dos protocolos mas que foi, ao longo das horas, percebendo o lugar e a força de quem segue sentires em vez de ordens. No final, baixinho, ouviu-se: “este já é um filho de nós todas.”. Filho do sentir e da presença, num processo longo que foi conquistando suavemente outros sentires.
O trabalho de parto começou, na verdade, naquela sala de dança. Sem procedimentos externos, sem forçar nada, sem seguir protocolos. A dançar.
Chegaste no teu tempo. Porque “chegamos sempre onde nos esperam”, como dizia o Saramago.
Segue, por isso, pequeno Lou, a força do que mais te fizer sentir. O caminho certo não há-de estar muito longe disso.
DANÇA DA LUZ: https://www.youtube.com/watch?v=jo5DpyoV7dU&feature=youtu.be7